sexta-feira, 14 de abril de 2017

Aprendi com meu pai

Chega Hilmara, 53 anos com uma blusa florida e um sorriso aberto, e um coque de cabelos grisalhos bem repuxado e sério. Vem porque a glicose estava alta.
- Já foi duas vezes. Mas eu não senti nada, fui medir por que minha irmã tem Diabetes
A médica mais velha, procurando ensinar ao mais novo os caminhos de uma consulta centrada na pessoa, investiga
- E como a senhora lida com essa ideia da Diabetes, dona Hilmara?
- Ah pra mim tudo bem. A vida é assim mesmo. Se eu tiver, vou tratar!
- É, a senhora não fica preocupada? Entende que vai ser um tratamento diário?
- Olha, tem coisas que Deus decide. Se eu tiver, trato. Tive que terminar com meu marido porque ele tava me traindo veja só, ai fui fazer os exames do HIV. A Sífilis não tinha, Hepatite não tinha, mas antes de entregar o do HIV a enfermeira perguntou "e se a senhora tiver a doença, como vai ser?" Falei "Vou tratar ué. Não tem outra coisa"
Tranquilizados, seguimos a consulta. A consulta prossegue. Uma glicemia capilar de quase 300, junto com outra de sangue que ela fez com a irmã confirmam o diagnóstico. Explicamos a dona Hilmara, que escuta e diz que irá tratar, podemos ter certeza!
No processo de fazer a receita e preencher os prontuários, fica um silêncio, que ela logo preenche
- Desde o primeiro dia que a glicose deu alta eu já cortei refrigerante e o chocolate que eu gosto, sabe? Não bebi uma gota, nem no cachorro-quente da igreja, todo mundo bebendo! É que aprendi com meu pai, ele era assim sabe? Falava "Ou cê faz uma coisa até o fim, ou melhor nem começar!" e a gente fazia né.
Mais um pequeno silêncio, e logo emenda
- Até porque, se a gente não fizesse era chinelo na certa!

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