Iara, 48 anos, vem a consulta com os cabelos abaixados com creme e presos rentes para trás. É atendida pela enfermeira da equipe, onde conta que veio pra acompanhar a pressão alta. Conta que veio para o Rio de Janeiro do Pará, deixando familiares para trás em busca de emprego. Trabalha como faxineira para, em suas palavras, "uma patroa muito boa." A enfermeira a acolhe em sua primeira consulta, e conforme as perguntas vão desenrolando, Iara desaba em choro. Um choro contido, de ombros tensos e musculatura do pescoço saltando. Fala que no caminho para a casa da tal patroa boa há uma ponte, e que ela já parou ali algumas vezes pensando em pular. São 19:30, a 30 minutos o expediente acabou, e ainda há outro paciente para a equipe atender. A enfeira chama o jovem médico. Os dois juntos a acolhem, tomam medidas inicias, e se agenda uma consulta médica para uma avaliação mais completa.
No retorno, Iara ainda é uma mulher que senta contida, segurando a bolsa nas mãos e o choro nos olhos, quase não respondendo quando a pedimos para falar.
"Há quanto tempo você tem se sentido triste Iara?""Muitos anos""Aconteceu alguma coisa quando tudo começou?""É só a vida que é muito dura""É o emprego? A família?""A vida""E tem alguma coisa na sua vida agora que te dê prazer? Vontade de fazer?""Não tem nada não" e aperta a bolsa no colo"E antes disso tudo começar, o que tinha? O que você gostava de fazer?"Novo choro. Iara tenta conter as lágrimas com a força do pescoço e das mãos na bolsa, mas elas escorrem. O jovem médico, O supervisor psiquiatra e a acadêmica esperam."Não tem nada! Nunca gostei de nada""Nem quando era criança Iara?" instiga o psiquiatra"É que eu sempre trabalhei. Minha mãe e meu pai me botavam pra trabalhar na roça, limpar a casa, ajudar na cozinha, tomar conta dos irmãos. Eu nunca brinquei.Silêncio"Acho que nunca aprendi a ser criança."------------
A entrevista segue, mas a frase fica presa no ar. Ao final, pra casa, Iara leva três coisas. Um remédio antidepressivo. Um remédio para diminuir o impulso de suicídio. E, talvez a mais importante, uma orientação de aprender a brincar.
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